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Como ser um líder visionário e ainda ter vida pessoal

David Lancefield




“Quase não conseguimos.”


Meu cliente, CEO de uma grande empresa de tecnologia, fazia uma reflexão a respeito do ano anterior. “Em alguns momentos, não tínhamos energia para mais nada. Mas achamos um jeito de redirecionar o foco para o que realmente importava.”

Ele falava de sua função de liderança – e de seu casamento.


Os líderes empresariais curtem a “viagem” de redefinir a identidade, a essência e as capacidades de uma organização, e a alegria de realizar algo que poucos pensavam ser possível. Porém, por exigir muito, a função de liderança pode dominar nossa vida – se permitirmos. Quando chegamos a perceber os danos colaterais causados a nós e às pessoas que amamos, geralmente já é muito tarde.


Muitos dos 30 altos executivos que entrevistei nos últimos 18 meses expressaram diversas formas de arrependimento ao falar de seus esforços de transformação – apesar de suas realizações – autodescrevendo-se como “intensos demais”, “obsessivos” e “egocêntricos”. Com frequência, questionaram se o trabalho realmente valia a pena, e muitos disseram sentir-se isolados e sós.


O relacionamento com o cônjuge, filhos e amigos pode ser negligenciado. O autocuidado também pode ficar em segundo plano, levando a dependências diversas, ansiedade, depressão, narcisismo e problemas cardíacos. Uma pesquisa da Bupa Global mostra que 2/3 dos líderes empresariais de alto escalão já tiveram problemas de saúde mental. Sinais precoces de dificuldades se manifestam com frequência na forma de comportamentos cautelosos, atípicos ou até mesmo antiéticos. Uma pesquisa recente, por exemplo, demonstra que CEOs que passam por processos de divórcio muitas vezes adotam estratégias de menor risco para manter a remuneração – que, em grande medida, é paga em ações da empresa – após perder dinheiro e imóveis em um acordo com o cônjuge.

Ser um líder de sucesso exige energia, determinação e coragem. É preciso comunicar visões novas, eliminar vícios, buscar oportunidades de crescimento e modelar comportamentos novos – e tudo isso repetidamente, por muito tempo. As funções de liderança de grande importância exigem escolhas difíceis e soluções de compromisso, tanto profissionais quanto pessoais. Algo tem que ceder, e não existe fórmula mágica para contentar todos os envolvidos o tempo todo – mas o que seria necessário para transformar a organização e ao mesmo tempo continuar (e manter as pessoas que nos rodeiam) razoavelmente bem?


Visualizar tanto os resultados profissionais quanto os pessoais.

Qualquer líder transformador tem uma visão daquilo em que a organização se transformará. Para inspirar compromisso, essa visão precisa ser vívida, ambiciosa e genuinamente desmesurada. Um líder precisa fazer o papel de tradutor, ajudando as pessoas a entender o que será diferente e por que isso será melhor.


A mesma coisa se aplica ao próprio líder. Pense bem no que quer realizar antes de deixar o cargo – para você, para as pessoas que ama e para sua organização. Visualize isso de um modo que pareça tangível e real e que seja memorável; isso é especialmente importante em tempos difíceis. Você pode escrever uma carta para seu futuro eu ou gravar um vídeo contando sua história. Do mesmo modo que você cria uma trajetória para a organização, mapeie eventos importantes e previsíveis da vida – aniversários, a entrada dos filhos na universidade etc. – que não quer perder. Isso o ajudará a identificar os limites que precisará estabelecer.


Agende verificações periódicas para conferir se esses resultados ainda são realistas e se ainda vale a pena buscá-los. Não faz sentido ser dogmático ou inflexível, especialmente se o contexto profissional ou pessoal tiver mudado de forma significativa.


Conversar sobre a função com franqueza e cuidado.

Você não pode – e nem deve – fazer esse trabalho sozinho. Converse com as pessoas que ama sobre o que a função significa para você e porque planeja assumi-la. Seja franco a respeito das exigências, dos ritmos e das recompensas da oferta e explique os possíveis cenários que poderão afetar sua capacidade de cumprir obrigações pessoais – por exemplo, uma crise ou uma grande operação de fusão e aquisição. Isso ajudará a aumentar o conhecimento e a compreensão das pessoas que você ama.


Peça aos que ama sugestões sobre a melhor forma de administrar as exigências da função, mesmo que não precisem saber todos os detalhes. Seus amados já o viram em funções anteriores e sabem o que funcionou bem e o que não funcionou. Ouça com atenção, explore seus pontos de vista e busque compreender suas necessidades e aspirações. Esse exercício revelará pontos em comum e tensões. Trabalhe com as pessoas que ama para estabelecer valores claros, arranjos sobre o cuidado da casa e dos filhos e limites profissionais. Esse processo de “contratação” deve levar a um acordo – e um conjunto de compromissos – que vocês poderão usar para responsabilização. Esse exercício não deve ser feito pontualmente, e sim repetido regularmente para avaliar seu funcionamento.


Idealmente, algo semelhante deve também ser posto em prática com as equipes de forma regular. Durante meu período na PwC, fazíamos perguntas como “O que você precisa de mim para estar no seu melhor?” e “Quais são os compromissos fora do trabalho de que precisamos estar cientes para poder estabelecer planos e buscar recursos de forma adequada?”. Isso ajudava a criar segurança psicológica para permitir que as pessoas conversassem sobre outros aspectos da vida que influenciavam seu desempenho no trabalho.


Incluir resiliência.

Seu plano pessoal também deve incluir investimentos em resiliência – sua capacidade de se recuperar após um revés ou choque, sendo que os mais óbvios estão relacionados à saúde e ao bem-estar. Uma CEO me disse ter desenvolvido um regime que incluía uma dieta personalizada e horários dedicados a atividade física, família e sono. Seguir esse plano exigia que ela estabelecesse o limite de encerrar suas muitas reuniões noturnas em um horário especificado. Outros fazem escolhas a respeito do lugar onde utilizam o tempo. Jeremy Darroch, CEO da empresa de mídia e telecomunicações Sky, não quer uma vida inteiramente centrada no trabalho e não sai muito, pois quer evitar ser sugado pelo “falatório” de Londres, o que poderia levá-lo a se descuidar de uma perspectiva mais ampla. Outros reservam “tempo para pensar” na agenda e bloqueiam determinados horários do dia ou da semana, que só podem ser interrompidos em caso de emergência.


A resiliência também resulta de estarmos rodeados de pessoas capazes, motivadas e positivas (trabalhei com um CEO que as chamava de “pósitrons”). São pessoas em quem podemos confiar para entregar o que é necessário, sugerir ideias para superar obstáculos e ver oportunidades onde todos os demais só veem problemas. Identifique pessoas em sua equipe que se encaixem nessa descrição (ou recrute-as, se necessário) e dê a elas papéis importantes na transformação. Acima de tudo, organize-se de modo a passar boa parte do dia com essas pessoas.


Além disso, crie redes de pessoas prontas a apoiá-lo, tanto em casa quanto no trabalho – pessoas que se importem com você de forma incondicional, chamando sua atenção quando você banca o idiota e lembrando-o de seus compromissos e valores. Kathleen Saxton, vice-presidente executiva e diretora administrativa para a Europa, o Oriente Médio e a África da MediaLink, criou um “conselho administrativo com o qual não pode arcar” – um grupo seguro para testar ideias e compartilhar desafios, formado por pessoas que oferecem aconselhamento quando solicitadas.


Melhorar o comportamento no momento também rende dividendos. Parar para respirar antes de reagir a notícias difíceis, por exemplo, pode melhorar a qualidade do pensamento. Ouvir e observar de forma efetiva para saber o que as pessoas pensam pode nos dar mais espaço para desenvolver nossa própria perspectiva. Comunicar com cuidado nossas hipóteses, opiniões e preocupações, com um convite para contribuir com ideias, também ajuda a dividir o peso.


Um CFO usava seu diário de gratidão para ajudá-lo a criar uma mentalidade positiva antes de reuniões difíceis com investidores e reguladores. Outra executiva, uma CMO, desenvolveu um relatório anual pessoal – espelho dos relatórios corporativos – para ajudá-la a capturar aquilo de que se orgulhava e elaborar o que precisava mudar, tanto no trabalho quanto em casa.


Construir mais resiliência significa aumentar a probabilidade de permanecermos saudáveis e de sermos centrados e felizes, o que nos ajuda a tomar decisões sensatas e agir de acordo com nossos valores.


Aplicar uma mentalidade de reinvenção contínua.

Como executivo, você enfrentará uma quantidade cada vez maior de exigências. É fácil ficar emperrado, executando as mesmas tarefas com as mesmas pessoas, e logo sentir-se sobrecarregado, exausto e entediado.


Para prevenir esse burnout, é crucial focar nas atividades mais importantes e explorar formas mais efetivas de executá-las. Isso pode incluir a aplicação de soluções tecnológicas ou delegação – e, em qualquer caso, exige a criação de uma mentalidade de reinvenção contínua e o compromisso de incentivar outros a fazer o mesmo. Faça a si mesmo as seguintes perguntas:

  • Devo continuar executando esta atividade ou tarefa? Se não, quem poderia executá-la?

  • Como estou me saindo ao tomar decisões e comunicá-las? Dou poder a outros para resolver questões por conta própria?

  • Que outras formas de delegar e buscar recursos liberariam meu tempo para pensar e focar em áreas de maior prioridade?

  • Se eu fosse alguém de fora assumindo esta função, o que eu faria?

  • Como estou me saindo ao utilizar meus pontos fortes para lidar com os desafios que tenho à minha frente?

  • Quais são meus vieses de pensamento e de comportamentos que posso mitigar?

  • O que tenho aprendido no trabalho que poderia ajudar a mim e aos demais em casa, e vice-versa?

Adotar uma mentalidade de reinvenção e abordar os problemas com curiosidade ancora os líderes na busca do aprendizado, o que também só pode ser benéfico para os compromissos fora do trabalho, à medida em que fazemos verificações periódicas, sozinhos e com as pessoas que amamos, para reavaliar metas, aspirações e planos.


Existe uma crescente aceitação da necessidade de que as organizações contribuam com mais do que apenas o valor oferecido aos acionistas. Os líderes e seus entes queridos também não deveriam receber mais que esse valor?


Fonte: Harvard Business Por: David Lancefield

 

David Lancefield é um incentivador catalisador, estrategista e coach de líderes. Prestou consultoria para mais de 35 CEOs, foi sócio sênior da Strategy& e é professor convidado da London Business School.


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