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Gás natural: o desafio das regulações estaduais, esclarece Gustavo De Marchi

Caso da Arsesp, em São Paulo, desponta como um exemplo a ser seguido




Em um momento de crise hídrica, sobretudo diante do fantasma do racionamento, a segurança jurídica e a previsibilidade regulatória são pontos fundamentais para o mercado de energia, setor que exige capital intensivo e demanda projetos técnicos de longo prazo, com um tempo de maturação de 4 a 6 anos, em média, para entrada em operação. Os investimentos, portanto, têm tempo de retorno prolongado.


Nesse contexto, importante lembrar que a criação das agências reguladoras foi uma árdua conquista, fruto de uma reforma administrativa criteriosa, objetivando isolar de pressões políticas o funcionamento de áreas estruturantes para o Estado, permitindo-se um planejamento profuso, conciliando modicidade tarifária e excelência operacional.


Logo, a regulação é fundamental para passar confiança aos agentes do mercado. E no setor de gás natural não é diferente. Cabe observar que esse elo da cadeia energética vem passando por relevantes transformações nos 2 últimos anos, catapultadas pelo programa Novo Mercado de Gás, em 2019.

Daí vieram o Termo de Compromisso de Cessação (TCC) entre Petrobras e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), acordo que estabeleceu uma abrangente agenda de desinvestimentos da estatal, processo que ainda está em andamento; e, não menos importante, o novo marco legal do setor, a Lei nº 14.134, sancionada em 8 de abril deste ano.

Portanto, com a nova disposição legal, é normal que vejamos desdobramentos nas regulações estaduais. Alguns Estados, é bem verdade, queimaram a largada, e, de 2019 a 2020, no afã de exercer protagonismo, buscaram criar regulações de forma apressada, sem a devida análise de impacto regulatório ou a coleta de dados concretos para mensurar as consequências econômicas daquelas medidas.

A ameaça, devidamente alertada, passava pelo desrespeito aos contratos de concessão e o risco de judicialização, principalmente pela possibilidade, ainda existente, de afronta ao disposto no § 2º do artigo 25 da Constituição Federal de 1988, onde está plenamente configurada a competência dos Estados para regular os serviços de distribuição de gás canalizado.

De todo modo, é legítimo que aconteça um movimento para aprimorar o arcabouço em nível estadual, dada a autonomia desses entes para elaborar suas regras no que tange a tais serviços.

Executar tais mudanças é sempre um desafio. Entretanto, a recomendação sempre parte do estudo das melhores referências e uma delas é, sem sombra de dúvida, a Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo).

Sucessora da CSPE (Comissão de Serviços Públicos de Energia), a Arsesp, desde que foi criada, em 2007, tem se notabilizado como referência e vem mostrando capacidade de exercer seu papel com autonomia, ao largo de pressões políticas —um dos pilares, diga-se de passagem, da Lei das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019). Tal lei federal dispõe sobre itens como gestão, organização, processo decisório e controle social das agências reguladoras, criando um regime uniforme. O marco deu substância para promover a integração entre 11 agências federais (Aneel, ANP, Anatel, Anvisa, ANS, ANA, Antaq, ANTT, Ancine, Anac e ANM), bem como entre órgãos de regulação estaduais, distritais e municipais. Um dos instrumentos adotados foi a realização de processos conjuntos de edição normativa e intercâmbio de experiências, informações, além da descentralização de atividades fiscalizatórias, sancionatórias e arbitrais.

Essa regra é interessante, pois é patente a existência de uma disparidade estrutural entre as agências estaduais, sendo as responsabilidades diárias imensas. Por definição, as agências reguladoras têm o papel de exercer a fiscalização, a regulamentação e o controle de produtos e serviços de interesse público. Nessa tarefa, o corpo técnico depara com muitas questões desafiadoras, que eventualmente já foram motivo de análise anterior em outras praças.

Por isso mesmo, a Lei nº 13.848 tem essa sabedoria de estimular acordos de cooperação. No setor de gás natural, em particular, não faz muito sentido inventar a roda. A Arsesp já nasceu em um cenário com mercado de gás pautado por um racional diferente, com companhias controladas pela iniciativa privada, que é a tendência nacional na medida em que se avançar o processo de desinvestimento da Gaspetro, a qual venderá sua participação em 19 empresas de distribuição de gás natural das 27 constituídas no país.

Nesses mais de 13 anos de funcionamento, a agência paulista mostrou uma capacidade técnica invejável para lidar com temas extremamente complexos, como são as revisões tarifárias.

O mais relevante é que esse trabalho tem estimulado um significativo desenvolvimento do mercado estadual, com progressiva melhora em todos os indicadores regulatórios —da expansão da rede de distribuição aos índices de atendimento ao cliente e à rapidez na resposta aos chamados de emergência, tendo como resultado um fluxo de investimentos que já supera mais de R$ 10 bilhões desde que a então Companhia de Gás de São Paulo foi desmembrada em 3 áreas de concessão, transformando-se em 3 marcas: Comgás, GasBrasiliano e São Paulo Sul (pertencente ao grupo Naturgy).

Os números não têm paralelo no Brasil. São mais de 2,2 milhões de clientes atendidos em um ambiente de estabilidade regulatória e previsibilidade, que valoriza o papel das concessionárias de distribuição como indutoras de desenvolvimento.

Uma visão regulatória independente, mais profissional e menos suscetível a pressões das mais variadas, é essencial para um novo mercado de gás saudável, que propicie serviços de qualidade, com eficiência, segurança e tarifas justas, sem prejuízo do indispensável equilíbrio econômico-financeiro da concessão.

Com a consolidação do novo mercado de gás, as distribuidoras terão papel ainda mais preponderante. São elas que irão reforçar a infraestrutura, que vão promover a universalização do consumo e que vão encorajar novos investimentos.

Cada Estado, claro, tem plena autonomia para seguir seu modelo. Mas, como estudioso do Direito, diria que observar os bons precedentes é seguramente um bom atalho.


 


Por: GUSTAVO DE MARCHI

Fonte: Poder360

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