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Open Banking: os dados e a tecnologia em favor dos clientes

Com o mundo cada vez mais digital e conectado, não é de hoje que se discute a importância dos dados em nossa sociedade, sobretudo diante do potencial de criação de valor com o melhor direcionamento de campanhas publicitárias e oferta de produtos e serviços mais adequados aos consumidores. A proteção de dados é matéria de legislações recentes em diversos países, focadas no conceito da autodeterminação informativa, pelo qual cabe a cada indivíduo o controle e proteção de seus dados pessoais.

Por: Rodrigo Borges





Essa lógica sobre a titularidade dos dados ganha contornos ainda mais interessantes quando tratamos de dados bancários, os quais, protegidos por regulação específica, sempre foram objeto de maior rigor das autoridades quanto ao seu compartilhamento. Até pouco tempo, os próprios clientes – efetivos titulares dos dados – mesmo a partir de uma opção consciente e informada, tinham dificuldade em permitir o acesso a suas informações financeiras por outros serviços e aplicativos, tal como aqueles voltados para controle de gastos, uma vez que a regulação existente não lhes conferia a segurança necessária para o compartilhamento dos dados de clientes.


Nesse cenário, as autoridades da concorrência do Reino Unido e Austrália (entidade equivalente ao CADE no Brasil), enxergaram justamente na questão da portabilidade e compartilhamento dos dados um caminho para aumento da competitividade. Na visão desses reguladores, o desenvolvimento de um sistema financeiro aberto reduziria as barreiras de entrada para que outras empresas, como startups e fintechs, desenvolvam soluções bancárias, aumentando a competitividade do setor, em benefício dos clientes.


Assim, em 2018 foi implementada a primeira iniciativa do chamado Open Banking (“Sistema Financeiro Aberto”). Com o Open Banking os dados voltam a pertencer ao cliente, o qual assume a posição de figura central da relação.


Após quase dois anos de implementação do Open Banking, o Reino Unido constatou1 o surgimento de novos produtos e modelos de negócio como os agregadores de conta (gerenciamento de contas de diferentes instituições de forma unificada), controladores de gastos (identificação e análise dos gastos realizados em diversas instituições de forma unificada), plataformas de contabilidade online (com integração e conciliação bancária automatizada), além da ampliação dos produtos de empréstimos voltados às pequenas e médias empresas, incluindo empréstimos peer-to-peer.


Inspirado nesse modelo, o Banco Central do Brasil iniciou em 20192 uma série de medidas para a instituição de um sistema financeiro aberto, com foco na melhoria da experiência do usuário e oferta de novos produtos. O processo regulatório adotado pelo Bacen permitiu ao mercado apresentar comentários e sugestões em relação à proposta de regulação da matéria3 antes da edição de uma norma. A consulta pública conduzida pelo Bacen contou com ampla participação, tanto de players do setor bancário, quanto de empresas de tecnologia, deixando claro que o Open Banking poderá representar a entrada das Big Techs no setor bancário.


Assim, em 04 de maio de 2020 foi editada pelo Banco Central e Conselho Monetário Nacional, a Resolução Conjunta nº 01, dispondo sobre as regras para implementação, em 04 etapas, do Open Banking, obrigatória aos bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de câmbio e caixas econômicas de porte igual ou superior a 1% do Produto Interno Bruto ou que exerçam atividade internacional relevante.


Após a efetiva implementação do Open Banking nos moldes pretendidos pelo Bacen, a expectativa é de que ocorra a redução do número de desbancarizados (“unbanked”) no país, hoje em torno de 45 milhões de pessoas4, em razão da democratização do acesso ao crédito e melhoria da experiência do usuário. Nesse sentido, estima-se que haverá, ainda, uma redução do índice das pessoas que possuem acesso limitado aos produtos bancários (“underbanked”).


Para o compartilhamento dos dados e informações dos clientes das instituições sujeitas ao Open Banking, será necessário o consentimento do usuário. Ou seja, apesar da regulação prever a obrigatoriedade de algumas instituições aderirem automaticamente às regras do Open Banking, isso não significa que os dados dos clientes poderão ou serão compartilhados com terceiros, mas apenas que essas instituições devem estar preparadas – com ferramentas e mecanismos adequados -, caso o cliente opte pelo compartilhamento de seus dados.


A regulação, nesse aspecto, vem em linha com os preceitos da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), na medida em que os usuários deverão conceder seu consentimento inequívoco em relação aos dados a serem compartilhados com outras instituições, a qual, uma vez de posse das informações, será a responsável por dar o tratamento específico em conformidade com a finalidade autorizada pelo usuário. Nesse sentido, a depender do modelo adotado para consentimento do compartilhamento de dados, poderá prejudicar a experiência do usuário e reduzir o interesse no compartilhamento dos dados, diminuindo o potencial do Open Banking.


Assim, será necessária uma compatibilização de sistemas e de segurança da informação, sobretudo pelo fato do Brasil ser o 4º país mais atacado por malware financeiros de acordo com levantamento da Kapersky5, o.


Na prática, para a operacionalização do Open Banking deverão as instituições deixar uma porta aberta via Aplication Programing Interface (“API”) para que terceiros possam ter acesso seguro aos dados permitidos para compartilhamento pelos clientes e possam desenvolver novas aplicações e produtos em cima dos dados compartilhados. Essa mecânica para interação entre diferentes sistemas é bastante usual e está presente em nosso dia-a-dia, tal como nas interações entre aplicativos de música, sistemas de navegação, agendas e aplicativos de mensagens.


Além disso, vale lembrar que o Brasil possui um dos sistemas bancários mais avançados e evoluídos do mundo em termos tecnológicos, fruto do período inflacionário e dos episódios ocorridos nos anos 80 e 90 que exigiram um aprimoramento constante de sistemas, dada a instabilidade monetária do período. Contudo, a adequação dos sistemas para transmissão e recebimento dos dados exigirá um investimento intensivo das instituições, tal como se verificou no caso da implementação no Reino Unido.


O Open Banking representa, sem dúvida, um grande avanço em termos de liberdade do consumidor, que poderá permitir que outras instituições acessem seus dados bancários e possam ofertar produtos mais adequados e competitivos.


Ainda, aliando o Open Banking com o sistema de pagamentos instantâneos que será introduzido pelo Banco Central ainda em 2020 (Pix), empresas de outros setores terão facilitada a oferta de soluções financeiras em complementação aos serviços já ofertados e em competição aos próprios bancos, como já podemos identificar iniciativas do Magazine Luiza e iFood no desenvolvimento de ferramentas de pagamento.


Não se engane quem imagina que o Open Banking representará o fim dos bancos, em razão da entrada de players de outros setores que gozam de prestígio junto aos consumidores. Afinal, não há dúvidas de que os bancos há tempos estão buscando oportunidades para se fortalecerem e se beneficiarem com essas medidas e, assim como compartilharão informações de seus clientes, igualmente receberão dados de outras instituições.


Como constatado no Reino Unido, o Open Banking acelera a inovação no setor bancário, promovendo novos serviços e modelos de negócios às instituições financeiras e seus parceiros, na mesma medida em que intensifica a experiência do usuário e lhes permite ter acesso a produtos mais personalizados.


Assim, os bancos devem passar por um processo de modernização em termos de plataforma, podendo transformar-se em verdadeiros marketplaces de produtos e serviços financeiros, pois já possuem uma base de clientes sólida e ativa, plugando soluções eficientes de terceiros como fintechs à serviço de seus clientes, melhorando a experiência do cliente e, consequentemente, resultando na manutenção de sua clientela.


O Open Banking, em razão do compartilhamento de dados autorizados dos clientes, deverá incentivar o surgimento de novos modelos de negócio e produtos mais customizados ao perfil dos clientes, decorrentes da integração de produtos e serviços financeiros. Trata-se de uma iniciativa que favorece tanto as empresas do setor bancário, com a ampliação do potencial de clientes e novos serviços a serem ofertados, quanto os clientes, com a intensificação da competição do setor, entrada de novos players e desenvolvimento de novos produtos mais personalizados.


 

Fonte: MIT Tech Review

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